Ex-vendedor de picolé vira procurador





Paranaense de nascimento, sergipano de registro, sul-mato-grossense e paulista na adolescência e fase adulta. Várias foram as alterações de endereço de Claudivan Ferreira de Barros, 53, contudo, a mudança mais significativa dele foi a da trajetória de vida. Sofrendo de uma profunda anemia, ele contrariou até as perspectivas mais pessimistas da tradição popular, de que não chegaria a adolescência, e hoje colhe os frutos de uma vida pautada pelos estudos.

Nascido em 1963, na cidade de Paranavaí, no Paraná, Barros experimentou logo cedo a primeira das inúmeras mudanças que o destino lhe reservaria. Antes mesmo de completar um ano de vida, se mudou com a família para o Sergipe, Estado de onde os pais vieram, anos antes, à procura de trabalho em lavouras de café do Sul do país.

"Minha família era de boias-frias, gente muito humilde, que vivia para o trabalho no campo. Pouco antes do meu nascimento eles vieram para o Paraná atrás de serviço, mas, meses após eu ter nascido, uma geada acabou com toda a plantação e voltamos para o Nordeste", conta.

DOENÇA
Já morando em Sergipe, no povoado de Escurial, Barros foi diagnosticado com Mal de Simioto, doença que acometia várias crianças do sertão nordestino e que, muitas vezes, levava ao óbito ainda nos primeiros anos de vida. "A expectativa para quem tinha a 'doença do macaco', como todos falavam por lá, era mínima. A criança que tem essa doença fica com uma aparência parecida com um primata, com os braços e pernas finos e a barriga muito grande. Graças a Deus, superei isso", diz.

Aos sete anos de idade, mais uma mudança. Com a separação dos pais, o avô passa a cuidar dos netos e vem com todos para São Paulo, na cidade de Presidente Epitácio. Já acostumado a acompanhar os mais velhos nas roças do Nordeste, foi em terras paulistas que Barros começou, efetivamente, com o trabalho no campo.

"Eu era bem pequeno, mas também colhia junto com meus irmãos. Ao final do dia, somávamos um ou dois sacos ao montante da família. Naquele tempo, qualquer ajuda era bem-vinda", explica.



TRABALHO
Mesmo com toda a dificuldade que a família passava, o avô de Barros sempre exigiu que todos frequentassem a escola. No entanto, para conseguir continuar levantando um dinheiro, ele foi trabalhar nas ruas de Epitácio, ainda aos nove anos.
"Eu fui catar ferro-velho para vender. Pegava de tudo: alumínio, ferro, cobre e até papelão. No final do mês eu sempre tinha um dinheirinho, era pouco, mas era meu."

Andando pelas ruas da cidade, Barros teve outra ideia: vender picolé na praça. "Eu empurrava o carrinho de picolé e percebi que, na alça do carrinho, poderia levar também uma cesta com coxinhas. Se a pessoa não comprasse o doce, comia o salgado. Eu também comecei a levar uma caixa de engraxate. Oferecia o serviço completo, era impossível alguém não aceitar pelo menos um", disse, aos risos.

RADIALISTA
Aos 13 anos de idade, mais uma vez a mudança se fez presente a vida de Barros. Desta vez foi morar no Mato Grosso do Sul, na cidade de Três Lagoas, onde sua mãe estava trabalhando como empregada doméstica. Atuando como servente de pedreiro, ele estudou sozinho e prestou vestibular para geografia, na Faculdade Federal do Mato Grosso do Sul, onde concluiu o curso.

Contudo, a paixão pelas narrações de partidas de futebol que ouvia em seu rádio falou mais alto e alimentou um sonho: se tornar narrador de futebol. Foi então que um amigo da construção civil, que sabia da paixão de Barros, o avisou sobre uma seleção que uma rádio da cidade estava fazendo para contratar locutores.

Mesmo sem nenhuma experiência na área jornalística, Barros decidiu apostar suas fichas na carreira. "Eu disse na rádio que queria ser locutor esportivo, então o dono da empresa me deu um gravador e me mandou ir para a beira do campo narrar uma partida de futebol. Quando ouvi a narração fiquei extremamente decepcionado, pois ficou muito ruim", se recorda.

A vontade de ingressar no meio jornalístico era tanta que Barros se prontificou a trabalhar em qualquer área para estar, de certa forma, inserido na profissão. Com sede por conhecimento, ganhou uma oportunidade e se tornou repórter esportivo, função que desempenhou por quase um ano. Até que uma greve fez com que alguns funcionários fossem demitidos. "Eu era solteiro, não tinha filhos e me candidatei para receber a demissão. Havia mais gente que precisava mais do serviço que eu."

A convite de um amigo, Barros começou a trabalhar em um jornal impresso da cidade como vendedor de assinaturas. No entanto, escrevia algumas matérias e, num certo dia, quando o proprietário viajou, ficou responsável pela edição do semanal, onde trabalhou por algum tempo.



ARAÇATUBA
Com a leitura e os estudos sempre presentes na rotina, surgiu uma oportunidade para Barros vir trabalhar em um jornal diário em Araçatuba.

"Eu comecei em 1989, fui repórter durante um tempo, sempre com matérias polêmicas e, um dia, um dos diretores me convidou para ser chefe de redação. Fiz uma série de exigências para ele não aceitar e eu continuar como repórter, mas não teve jeito. Ele aceitou", brincou. Barros ainda trabalhou como chefe de redação na Folha da Região por vários anos.

Barros resolveu cursar direito, se formando em 1995. Também foi aluno da primeira turma do curso de jornalismo do Unitoledo (Centro Universitário Toledo), se formando em 2004. Ele foi bolsista em ambos os cursos. Depois de ter trabalhado também em uma emissora de TV, Barros teve um programa de rádio em Araçatuba, exerceu a profissão de advogado, trabalhou no Procon e, posteriormente, atuou como procurador do município, na gestão do ex-prefeito Jorge Maluly Netto.

Casado, pai de dois filhos, e ainda estudando nas horas vagas no estacionamento do serviço, ele conseguiu chegar um pouco mais longe. Barros hoje é funcionário público concursado e atua como procurador jurídico na cidade de São José do Rio Preto. Se agora ele tem uma vida estabilizada, credita isto ao estudo, trabalho e aproveitamento das boas oportunidades.


Reportagem: Victor Ferreira
Fotos: Alexandre Souza
Edição: Sérgio Teixeira

Folha da Região

"Vitória pela Educação" é uma série desenvolvida pela Folha da Região, jornal de Araçatuba que circula em 40 cidades do Noroeste Paulista.

Nenhum comentário:

Postar um comentário