Professor da Unesp é o 1º cego a ter livre-docência no País




Se para trilhar o caminho até o doutorado, passando antes pela graduação e pós-graduação, o estudante já enfrenta inúmeros obstáculos, imagina para quem não pode ler os textos nos livros e no computador. No entanto, essa proeza foi conquistada pelo professor Eder Pires de Camargo, de 43 anos, que só não chegou até o doutorado, como alcançou a livre-docência, sendo o primeiro cego a fazer esse feito no País.

Camargo já foi alvo de reportagem especial da Folha da Região, em setembro de 2013, no qual tinha relatado sua trajetória na vida acadêmica.

Professor da Faculdade de Engenharia da Unesp (Universidade Estadual Paulista) em Ilha Solteira, e Faculdade de Ciências, de Bauru, Camargo realizou o concurso de livre-docência nos dias 10 e 11 de maio, em Ilha Solteira. Conseguiu nota 10 na defesa de sua tese, que teve com tema “Como um cego aprende física”; 9,7 no memorial; 9,5 na prova didática, e 8,5 na prova escrita.

“Quero destacar que o fato de eu ser cego torna significativa a obtenção de um título de livre-docente, porque os materiais de pesquisa que proporcionam acesso ao conhecimento estão, basicamente, concentrados em instrumentos sociais visuais, ou seja, livros, artigos, revistas, etc. Torná-los acessíveis para que meu computador pudesse falá-los para mim foi sempre um processo extremamente desgastante e representou um grande trabalho adicional”, lembrou o profissional, ao ressaltar não ser essa uma reclamação.

PROJETOS
Questionado sobre o que pretende fazer agora, com título de livre-docente, Camargo disse que quer continuar com os projetos de pesquisa, que visam a questão do ensino da física aos estudantes com deficiências, incluindo a visual; além de auxiliar as aulas de mestrado e doutorado da Unesp de Bauru e na USP (Universidade de São Paulo), em São Paulo.

“Tenho também meus estudantes de graduação e as aulas para os licenciados em física e biologia na Unesp de Ilha Solteira. Também palestro pelo Brasil. Ou seja, ensinando, pesquisando e tentando modificar os instrumentos sociais de acessibilidade, com a luta utópica de modificar o mundo e torná-lo mais justo e adequado para a participação de parcelas maiores e diversas da sociedade”, afirmou.



DIFÍCIL
Em relação ao fato de ser o primeiro cego brasileiro a obter título em livre-docência, o professor lembrou, primeiro, dos momentos difíceis que precisou enfrentar, acreditando que muitos deficientes visuais desistem no caminho.

“Penso que este seja o ponto. Como sociedade, temos o dever de investir e tornar este caminho mais justo”, disse. “Temos a tecnologia, temos que financiar isto, temos que libertar as pessoas com deficiência visual e permitir que elas possam fazer suas escolhas, errando, amando, consertando, refazendo. Meu concurso de livre-docência demonstra nada mais do que isto”, ressaltou o livre-docente.

RECONHECIMENTO
O reitor da Unesp, Julio Cezar Durigan, emitiu nota parabenizando a conquista de Camargo. “Parabenizamos a carreira de sucesso do professor Eder, ainda mais neste ano que a Unesp completa 40 anos. É ótimo verificar como o esforço de um docente lhe traz retorno acadêmico e seus estudos sobre o ensino de Física para pessoas com deficiência visual vem promovendo a inclusão no Brasil como um todo”, destacou.

ESTÁGIO MAIS ELEVADO

A livre-docência é o estágio mais elevado da carreira universitária que pode ser atingido apenas por competência, independente da disponibilidade de vagas na carreira funcional.

É um título concedido no Brasil por uma instituição de ensino superior, mediante concurso público, aberto desde 11 de setembro de 1976. Recebem a livre-docência apenas portadores do título de doutor, e que atesta uma qualidade superior na docência e na pesquisa.

No caso do professor Eder Pires de Camargo, que atua na Unesp (Universidade Estadual Paulista), foi preciso cumprir quatro itens obrigatórios dentro de um total de 16. “Os quatro primeiros são obrigatórios, e do quinto ao décimo sexto deve-se cumprir, ao menos, cinco. Dos não obrigatórios, deixei de cumprir apenas dois”, explicou o agora livre-docente.

Na USP (Universidade de São Paulo), Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e também na Unesp, a livre-docência é requisito para a candidatura a professor titular e o livre-docente recebe o título de professor-associado quando já pertence ao quadro docente da universidade.


Texto: Monique Bueno
Fotos: Paulo Gonçalves - 11/09/2013
Edição: Marcelo Trevizo

Folha da Região

"Vitória pela Educação" é uma série desenvolvida pela Folha da Região, jornal de Araçatuba que circula em 40 cidades do Noroeste Paulista.

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